A Maternidade Entre Grades

A Maternidade Entre Grades Dar a Mão

A realidade das mulheres marginalizadas e/ou em situação de vulnerabilidade pode, por vezes, conduzir ao contacto com o sistema de justiça criminal, podendo até significar a entrada no sistema prisional. Esta intersecção entre a maternidade e os estereótipos associados à criminalidade contradiz as concepções e a ideologia convencional que descreve a maternidade. Assim, para além do estigma acrescido que estas mães enfrentam e dos obstáculos ainda mais profundos, estas mães são ainda rotuladas de “mães inadequadas”.

Inevitavelmente, o ser humano tende a agrupar similares. Quando agrupamos pessoas em grupos sociais, criamos também as identidades sociais. Neste processo, a sociedade faz nascer os estereótipos e estigmas de modo a determinar o “normal”. Levanta-se, no entanto, a questão de como é que as identidades sociais são conceptualizadas. Considerando que apenas as características comuns e desejáveis ao grupo social são consideradas “normais”, o estigma e os desafios enfrentados pelas pessoas que não partilham estas características são significativos.

Uma das identidades sociais mais valorizadas na sociedade é a de mãe. Tal como outras identidades sociais, as suas características refletem fortemente o clima social, económico e cultural em que nos inserimos. Assim, sem surpresas, o conceito de mãe é imensamente associado a mulheres caucasianas, de classe média-alta, heterosexuais e que possuem estabilidade financeira. Esta ideologia dominante e convencional que é transmitida não reflete, no entanto, a realidade de muitas mulheres que são marginalizadas e vulneráveis e que, por isso, enfrentam barreiras e obstáculos significativos para terem o seu papel de mãe reconhecido.

A realidade destas mulheres pode, por vezes, conduzir ao contacto com o sistema de justiça criminal, podendo até significar a entrada no sistema prisional. Esta intersecção entre a maternidade e os estereótipos associados à criminalidade contradiz as concepções e a ideologia convencional que descreve a maternidade. Assim, para além do estigma acrescido que estas mães enfrentam e dos obstáculos ainda mais profundos, estas mães são ainda rotuladas de “mães inadequadas”.

Quando analisamos a população feminina em reclusão, observamos um perfil dominante de mulheres que vêm de um contexto socio-económico vulnerável, que partilham histórias de múltiplos traumas e encontram-se até num ciclo vicioso de vitimização e criminalidade, têm problemas de dependência de substâncias e de saúde mental, e na maioria das vezes têm filhos menores e são os seus cuidadores primários. Conclui-se assim, que as necessidades das mulheres em reclusão são bastante complexas e, portanto, diferem muito das necessidades da população masculina em reclusão. No entanto, os estudos, a atenção e o desenvolvimento e implementação de estratégias, programas e intervenções dedicadas às mulheres na prisão é muito escassa em comparação aos homens. É muitíssimo clara a crescente necessidade de perceber e criar soluções para estas mulheres de modo a garantir-lhes uma reinserção bem sucedida.

As mães que entram no sistema prisional não deixam de ser mães por causa da separação. Apesar das suas identidades sofrerem com o aprisionamento, mães em reclusão redefinem as suas identidades para continuarem a exercer o seu papel. Aliás, os seus filhos não só continuam a ser uma figura central nas suas vidas, como também são um fator motivacional durante o aprisionamento. Muitas vezes, estas mães carregam um grande sentimento de vergonha e culpa por estarem presas e separadas dos seus filhos, mas tentar mudar os seus comportamentos e tentar ser melhor pelos seus filhos serve como motivação para um futuro melhor.

Esta separação pode exacerbar as consequências negativas do aprisionamento, tanto para a mãe como para o filho. A separação não só constitui um evento altamente traumático para ambas as partes, mas pode também contribuir para o aumento do risco da reincidência criminal da mãe no futuro. Considerando também as consequências emocionais e comportamentais da separação para os filhos, é evidente a necessidade de encorajar e manter o laço e o vínculo entre mãe e filho nestas circunstâncias.

Em Portugal existe a possibilidade dos filhos das reclusas permanecerem junto delas até aos 3 anos de idade e de acordo com critérios e requisitos específicos para as mães. Esta tentativa em incentivar os vínculos afetivos entre mãe e filho ajuda certamente na mitigação das consequências negativas futuras para ambos. Nesta fase inicial da vida das crianças esta relação é crucial para o seu bom desenvolvimento e para o bem-estar emocional das mães. Como mencionado anteriormente, este tempo que as mães passam com os seus filhos em reclusão pode constituir um fator motivacional para a desistência do crime no futuro e para o cumprimento da pena. 

No entanto, quando não são reunidas as condições para os filhos permanecerem com as mães em reclusão, este laço deve continuar a ser incentivado através de outros meios. Quer seja através de visitas, cartas ou chamadas telefónicas, estes contactos irão aliviar as tensões do aprisionamento e da separação, e vão ajudar na adaptação das mães ao ambiente prisional. É importante mencionar que estes meios estão longe de ser perfeitos para a manutenção deste laço afetivo – especialmente relativamente às visitas presenciais –  devido a constrangimentos como a duração do contacto, as condições das visitas e o tempo de viagem para certas prisões.

Após a saída da prisão, as mães vão querer recuperar a relação que tinham com os filhos antes do seu aprisionamento. No entanto, estas deparam-se com uma realidade particularmente difícil cá fora. Para além das dificuldades financeiras e de empregabilidade, junta-se também a dificuldade de oferecer uma vida estável aos seus filhos. 

São inúmeros os desafios e obstáculos que estas mães enfrentam no período pós-reclusão. No entanto, estes já significativos desafios são ainda mais exacerbados pelo estigma associado à condição de ex-reclusa. A identidade social de “mãe” não vai ao encontro da criminalidade e, por isso, estas mães continuam a ser castigadas mesmo após a sua libertação. Enquanto sociedade temos o dever de perceber e entender o percurso, as experiências complexas e as histórias de vida destas mães, e não julgá-las e castigá-las de acordo com os critérios de maternidade da sociedade. Devemos em conjunto trabalhar para apoiar e acompanhar sem julgamento estas mães a navegar o percurso pós-reclusão e garantir-lhes acesso a recursos e serviços bem articulados na comunidade para ajudá-las a alcançar a tão desejada estabilidade emocional, social, financeira e habitacional.

Nos dias de hoje, a identidade de “mãe” é ao mesmo tempo reverenciada e altamente criticada. Enquanto sociedade devemos olhar para as circunstâncias do outro e saber apoiar mesmo quando erros são cometidos. Apoiar mães reclusas e ex-reclusas significa apoiar os seus filhos também, e contribuir para uma comunidade melhor.

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