Reconhecendo o impacto da separação e da interrupção do vínculo afetivo entre mãe e filho nos anos seguintes ao seu nascimento, e da insuficiência do contacto prisional em regime de visitas, surgiu, assim, a necessidade de criar respostas alternativas à separação em contexto prisional. Neste âmbito, surgem as unidades de mães e filhos assentes na ideologia da teoria da vinculação.
Como vimos no artigo anterior – A Maternidade Entre Grades -, devido a diversas circunstâncias e fatores, a maternidade pode intersectar com o sistema prisional. A maioria das mães em reclusão apresenta histórias de vida complexas, e são os cuidadores primários dos seus filhos. Isto significa que muitas destas mulheres vão ser separadas dos seus filhos devido ao encarceramento.
Esta separação, não só vai implicar uma vida familiar instável e fragilizada como também pode ter consequências substanciais tanto para a mãe como para o filho. Para as mães, as consequências principais incluem o risco de reincidência no futuro, problemas para o seu bem-estar emocional e social, e problemas de saúde mental. Para as crianças – que são muitas vezes as vítimas invisíveis deste processo -, estudos reportam consequências como elevadas taxas de futura criminalidade e encarceramento, problemas de saúde mental – como a depressão e ansiedade -, perturbações do sono, baixa autoestima, problemas comportamentais, e dificuldades e/ou baixo aproveitamento escolar.
Argumenta-se que as consequências para as crianças – especialmente para as mais novas – são mais significativas uma vez que a separação implica a interrupção do vínculo afetivo com as suas mães. A teoria da vinculação sugere que a vinculação estabelecida nos primeiros anos de vida de uma criança com o seu cuidador primário é crucial para o desenvolvimento da criança – especialmente nas áreas sociais e de regulação emocional. Uma vez interrompido este laço de vinculação, a criança poderá sofrer consequências negativas que poderão permanecer para o resto da sua vida, contando-se com problemas de saúde mental, problemas comportamentais e criminalidade como os principais efeitos.
Reconhecendo o impacto da separação e da interrupção do vínculo afetivo entre mãe e filho nos anos seguintes ao seu nascimento, e da insuficiência do contacto prisional em regime de visitas, surgiu, assim, a necessidade de criar respostas alternativas à separação em contexto prisional. Neste âmbito, surgem as unidades de mães e filhos assentes na ideologia da teoria da vinculação.
Estas unidades, que existem internacionalmente, permitem a coabitação de mães reclusas com os seus filhos. São unidades mais pequenas e isoladas, desenhadas para não só proporcionar um ambiente estimulante e ajustado às necessidades das crianças, mas também para proporcionar uma oportunidade para o desenvolvimento da relação entre mãe e filho e a formação de um vínculo afetivo. Estas unidades incentivam também a aprendizagem de competências de boa parentalidade – que promovem o crescimento, a confiança e o empowerment das mães – que podem ser cruciais para a vida pós-reclusão no que toca à redução da probabilidade de reincidência, e oferecem acesso a profissionais e a programas relevantes à parentalidade .
A política e os critérios de admissão nestas unidades diferem bastante, especialmente de país para país. Em Portugal, estas unidades acolhem mães com filhos até aos 3 anos de idade, após uma candidatura bem-sucedida da mãe e do cumprimento de critérios e requisitos específicos da unidade.
Dentro destas unidades, as mães encontram um porto seguro longe dos fatores de risco ao qual estavam expostas em liberdade. Problemáticas como a pobreza, violência, e abuso de substâncias que, muitas vezes, impedia uma parentalidade positiva, deixam de constituir um impedimento para a relação com os seus filhos. Nestas unidades, algumas mães separadas de filhos mais velhos praticam uma parentalidade e criam vínculos afetivos com o filho mais novo que têm junto delas, que não conseguiram em liberdade.
Uma das unidades de mães e filhos em Portugal encontra-se no E.P. de Tires – a Casa das Mães – onde a Dar a Mão desenvolve e participa ativamente em ações de voluntariado específicas desde a sua fundação. No início, através da associação, dois profissionais de saúde, incluindo um pediatra, visitavam a unidade, fazendo o acompanhamento das crianças e educando as reclusas sobre diversos temas como a amamentação, cuidados com o recém-nascido, etc.
Mais recentemente, a Dar a Mão implementou o projeto ‘Pôr em Prática’ na Casa das Mães. Com este projeto cuidamos tanto das crianças como das mães. O cuidado com as crianças passa por garantir o acesso a vestuário e a produtos de higiene essenciais e proporcionar-lhes visitas ao exterior para que elas possam conhecer e interagir com o mundo para além das grades. Já com as mães, proporcionamos a oportunidade de participarem voluntariamente em encontros semanais com foco na valorização pessoal e na auto-estima.
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